Simca V8, a história: teto alto, Tufão/Super Tufão, Emi-Sul e fim de linha

Interessante notar que, ano após ano, a Simca não parava de aperfeiçoar seus produtos: desde a sua chegada, não passou mais de 365 dias sem evoluir os carros que produzia. Em 1964, não foi diferente, quando Chambord e Presidènce sofreram suas mais profundas alterações desde 1959. A carroceria dos sedans passou a ter um teto mais alto e plano, acompanhando parabrisas e vidro traseiro de maiores dimensões, o que claramente melhorava a habitabilidade e visibilidade nos modelos. Com essas mudanças, a carroceria mostrada originariamente pela primeira vez em Paris em 1954, dez anos antes, mostrava-se mais “arejada” e modernizada, como cabia aos carros de meados dos anos 60. 

Aproveitando o momento, a Simca criou outros nomes para seus sedans, que agora atendiam também por Tufão (caso do Chambord) e Super Tufão (Presidènce). Enquanto isso, o velho V8 Ford continuava sendo trabalhado, com a engenharia da Simca tentando extrair seu máximo. Os novos carros tinham maior taxa de compressão, em uma época em que nossa gasolina não poderia nem ser classificada como “ruim”, e sim como “péssima”. Os profissionais da marca francesa precisavam garantir eficiência ao V8 com nosso combustível de baixíssima qualidade, o que, não tinha como, prejudicava seus números de potência e consumo.  

Graças a um novo virabrequim, para curso mais longo dos pistões (já era o limite do projeto daquele motor), chegaram a 2.515 cm³ de capacidade, e nessa altura do campeonato, com aquele bloco era quase impossível obter uma maior cilindrada. Essa vantagem, do V8 de 2.5 litros, era só do Super Tufão, o antigo Presidènce, que passava a atingir os 112 hp brutos, em torno de 83 cv ABNT. Vale ressaltar que o Tufão, ou Chambord, seguia com a versão de 2.414 cm³ de capacidade cúbica, com 100 hp SAE por conta da taxa de compressão elevada.  

Esses aumentos sucessivos de potência e torque exigiam constantes alterações nos sistemas de arrefecimento e lubrificação, para que fossem atendidas as exigências do novo motor. Além disso, para compensar a maior sede dos V8, Tufão e Super Tufão recebiam um tanque de combustível com 30 litros a mais de capacidade (85 no total), amenizando a falta de alcance com o tanque cheio, especialmente no modelo de luxo e na perua Jangada, pensada para viagens mais longas em família.  

Além do tanque maior, os modelos passaram por melhorias nos sistemas de arrefecimento e lubrificação (Foto: Simca/divulgação)

A fabricante sabia que precisava aumentar sua linha, ainda que só tivesse o Chambord/Tufão como projeto inicial. Como seus carros sempre foram caros, para aumentar a demanda foi preciso lançar versões mais simples de seus sedans V8, buscando um outro público consumidor. O primeiro foi o Simca Alvorada, que debutou ainda em 1964 como opção mais em conta ao Tufão: tinha aspecto visual bem mais enxuto, dispensando frisos cromados ou adereços de estilo, enquanto contava com interior simplificado e vários equipamentos suprimidos.  

O Alvorada era um Simca mais em conta, que buscava outro público, menos endinheirado (Foto: Simca/divulgação)

Na época, os grandes e beberrões carros norte-americanos que serviam como táxi estavam desaparecendo das ruas, e era preciso que a nossa indústria suprisse essa lacuna no mercado nacional. Como a Simca já tinha o Alvorada, bem mais simples, conseguiu fazer uma versão ainda mais simples dele, que batizou de Profissional, extremamente básico e pobre de conteúdo, simples até demais, com o único intuito de atender a motoristas de táxi e profissionais do transporte de passageiros. Tanto o Profissional, lançado em 1965, quanto o Alvorada, que chegou um ano antes, eram movidos pelo mesmo V8 do Tufão, de 100 hp SAE.  

O próximo passo foi criar outra versão mais simples ainda, a Profissional, que atendia aos taxistas, substituindo os antigos carrões norte-americanos (Foto: Simca/divulgação)

Para 1966, a Simca, sempre preocupada com a performance dos seus motores, repensou o projeto do cabeçote dos V8 flathead. A engenharia trabalhava em um cabeçote de alumínio, finalmente com as modernas válvulas na cabeça, ao invés das de admissão e escape no bloco, resultando em uma baixíssima eficiência. As novas partes superiores dos V8 também tinham o desenho semi-hemisféricos das câmaras de combustão, além das válvulas em ângulo, acompanhando esses desenhos. Alterações complexas que dariam vida nova ao obsoleto propulsor. Mas um problema persistia: a parte de baixo daquele V8 tinha o virabrequim apoiado em apenas três mancais.  

O V8 flathead recebeu a melhor evolução nas mãos da Simca em 1966, quando seu cabeçote foi repensado, e chegaram as válvulas hemisféricas (Foto: Simca/divulgação)

Com sucessivos aumentos de potência, as limitações de projeto prejudicavam a lubrificação daquele motor, sem contar que o virabrequim, com pouco apoio, tendia a torcer bem mais do que deveria, causando quebras prematuras e motores travados por lubrificação ineficiente, ficando cada vez mais escassa. Além da estrutura inferior do bloco comprometida pela lubrificação fraca, havia ainda o problema do pequeno espaço dedicado a passagem do líquido de arrefecimento desse V8, que não dava conta de dissipar o calor do funcionamento mais potente, elevando a temperatura além do desejado.  

Ainda assim, com sua parte de cima mais moderna, a parte de baixo do obsoleto V8 ainda estava suscetível a problemas (Foto: Simca/divulgação)

Ainda assim, a audácia da Simca brasileira fez lançar o “novo” V8 Emi-Sul, primeiro motor com válvulas hemisféricas produzido na América do Sul (daí seu nome). Com potência máxima de 140 hp brutos, ou cerca de 104 cv ABNT (números do Presidènce e Rallye, ou 130 hp SAE no Chambord), e torque de mais de 23 mkgf SAE, o Emi-Sul trabalhava com a mesma capacidade cúbica do V8 do Tufão (2.414 cm³), embora fosse a versão mais poderosa daquele motor de projeto Ford dos anos 30. A fabricante, em anúncios, comemorava a velocidade máxima de 170 km/h e o consumo de 8 km/l de gasolina na estrada a 80 km/h, hoje números nem um pouco atraentes, pelo contrário.  

Com exceção da perua Jangada, aposentada no início de 1966, e do Alvorada/Profissional, também fora de linha, o Emi-Sul chegou com alarde à linha Simca, composta por Tufão/Chambord, Rallye e Super Tufão/Presidènce, que ostentavam um emblema indicando o novo motor em cada uma das colunas C, enquanto adotavam escapamento de cano duplo, para melhor liberação dos gases da combustão.  

Como não havia mais a perua Jangada, nem tampouco os “primos pobres” Alvorada e Profissional, restavam apenas os Simca mais luxuosos (Foto: Simca/divulgação)

Embora já estivessem em fase de despedida, não programada, os sedans V8 da Simca também se modernizavam por dentro, seguindo a tendência da concorrência da segunda metade dos anos 60: chegavam os vidros verdes, com melhor proteção contra raios solares, novos revestimentos e acabamentos internos e, como grande novidade, os bancos dianteiros individuais, uma vantagem extra ao Rallye e sua proposta esportiva, menos presente na estética, já que o modelo perdia as entradas de ar redondas no capô. Até então, os assentos dianteiros eram inteiriços, com apenas o encosto dividido no formato 1/3 2/3. 

Apesar de todo o esforço da Simca nacional em manter sua linha atualizada dentro do possível, em 1967 a Chrysler adquiriu o controle acionário de 92% da fabricante francesa. Com a mudança, em agosto daquele ano, após quase 50 mil carros produzidos na fábrica de São Bernardo do Campo, saíam de linha em definitivo o Rallye, Tufão e Super Tufão, abrindo caminho para os Dodge Dart e Charger, e, especialmente, para Chrysler Esplanada, sucessor mais que direto dos sedans Simca. Mas essa é outra história, que conto mais para frente… 

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.