Importação de carros elétricos: de novo a China é a culpada?

Foto de capa: Focke Strangmann/AFP

Há cerca de dez dias, União Europeia decidiu gravar com 38% de imposto a importação de carros elétricos chineses. Alega-se haver um subsídio real e outro indireto. O real seria dado pelo Estado Chinês diretamente aos produtores, enquanto o indireto refere-se à desvalorização intencional e artificial da moeda. Ocorre que absolutamente todos os países sempre subsidiaram suas exportações. É claro que o Estado tem papel relevante nesse assunto, mas não se podem deixar de lado algumas premissas da contabilidade de custos. 

Sob a alegação da existência de dois subsídios, um direto e outro indireto, a União Europeia decidiu taxar os carros elétricos chineses em 38% (Foto: GWM/divulgação)

Sobre esse aspecto, para não tornar a coluna repetitiva, sugere-se ler outra matéria, que foi publicada em 03/10/2017 em outro espaço. Ela trada de como a indústria opera a contabilidade de custos, tema que será retomado mais adiante. 

Nos anos 1980, quando a economia brasileira era fortemente pressionada pela dívida externa, um Fiat Uno brasileiro chegava à Itália por US$1.500,00, preço não muito diferente do cobrado por um Chevrolet Chevette em mercados mais pobres. Não se pode esquecer de que havia meios tributários para oferecer subsídio pelo Estado brasileiro. Tratava-se do crédito-prêmio, que poderia incidir sobre o então ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), que era estadual, e sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que era federal.  

Aqui, é preciso ter em mente que a Constituição Federal de 1967 impedia os estados de criar impostos, concentrando tudo na esfera federal, mesmo que o tributo fosse cobrado em âmbito municipal. Não havia, portanto, a independência tributária de estados e municípios que se instituiu na Constituição Federal de 1988. Tanto o ICM como o IPI eram – e continuam sendo – impostos sobre valor adicionado. Com a reforma tributária em curso, ambos, assim como o PIS-Cofins e o PASEP, serão incorporados a um só a denominar-se IVA (Imposto sobre Valor Agregado). 

Na época, antes da Constituição de 1988, todos os impostos eram concentrados na esfera federal, o que mudaria depois (Foto: reprodução/Quatro Rodas)

Todos os impostos desse tipo funcionam gerando créditos pelos valores antecipados nas compras e débitos pelos valores recolhidos nas vendas, tal que o imposto a pagar seja a diferença entre os dois lançamentos. Nas exportações, além de a venda não gerar débito, o que já é renúncia fiscal importante, a venda gerava um crédito, tendo como contrapartida o Fundo de Comércio Exterior. Assim, seria preciso vender muito internamente para que esses dois movimentos fossem compensados, gerando imposto a pagar.  

Considerando um carro fictício de R$100,00, seu preço bruto, incluíndo custos de produção e impostos, ficaria em mais de R$152,00 (Foto: Chevrolet/divulgação)

Para entender numericamente, se um produto consumisse R$100,00 com ICM de 18% e 10% de IPI, era gerado um crédito de ICM no valor de R$18,00 e outro crédito de IPI no valor de R$10,00. Suponhamos agora que o custo de produção seja de R$20,00 e a contribuição seja também de R$20,00, termos um preço líquido de venda de R$128,00 e um preço bruto de R$152,10, além de um débito de IPI de R$15,21 e outro de ICM de R$24,10.  

Se a mesma venda fosse feita no exterior, o Estado abriria mão de R$39,31 em impostos. De cara, o comprador estrangeiro pagaria R$128,00 por um produto que o consumidor local pagava R$167,31. Havendo crédito-prêmio, isso poderia chegar aos R$50,00, dependendo de para onde o produto fosse e o interesse do governo em subsidiar essa ou aquela indústria. 

No caso de um consumidor estrangeiro, o custo do tal carro fictício de R$100,00 seria de R$128,00, inferiores aos R$167,00 que o brasileiro pagaria (Foto: Moover/divulgação)

O prêmio para indústria de automóveis que vendesse na Europa, por exemplo, equivalia a 20% da soma dos débitos de ICM e IPI. Usando o exemplo acima, seria um desconto de R$7,86, ou seja, o carro fictício chegaria ao consumidor por R$120,40. Um belo desconto, não? Em casos como o da indústria bélica, o prêmio era igual ao imposto devido. 

No caso da Europa, o desconto seria ainda maior, dado o fato que o prêmio equivaleria a 20% da soma dos devidos em ICM e IPI: o carro de R$100,00 seria tabelado em cerca de R$120,00 (Foto: reprodução/Freepik)

A promulgação da CF88 praticamente eliminou essa forma de subsídio, enquanto a estabilização econômica valorizou nossa moeda. Não é à toa que as importações inundaram nosso mercado, ao mesmo tempo em que as exportações em massa viraram coisa do passado. Houve outros contribuintes até mais sérios que a taxa de câmbio e a extinção dos subsídios. São eles a queda de competitividade de nossa indústria perante a automação galopante fora do país, mais notadamente na Coreia e demais mercados exportadores de manufaturados do Extremo Oriente. E onde entra a contabilidade de custos? Na matéria da próxima semana. 

A coluna Carro, Micro & Macro, bem como o conteúdo nela publicado, é de responsabilidade de seu autor, e nem sempre reflete os ideais e posicionamentos do Carros&Garagem.

Luiz Alberto: pré-candidato a vereador pelo PT de SP
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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é pré-candidato a vereador pela cidade de São Paulo, economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.