Por causa da Caravan funerária quebrada, puseram até fogo no defunto

O ocorrido foi por volta do início dos anos 90, quase 30 anos atrás, e envolveu o simpático português Joaquim Manuel do Porto, sua esposa dona Maria Amália, e uma Caravan 1982, daquelas primeiras movidas a álcool, que pertencia a uma funerária.

Seu Joaquim Manuel, homem festeiro, sempre muito bem-alinhado na vestimenta e caprichoso com a vasta cabeleira e o bigodão, típico de um português, e sua vistosa esposa dona Maria Amália foram às festividades de uma pequena cidade no Sul de Minas. Mas, chegando à localidade, seu Joaquim Manuel sentiu-se mal e, mesmo sendo imediatamente atendido pelo pronto-socorro do município mineiro, veio a falecer de um agudo ataque cardíaco.

Passado o desespero e o  inconformismo de dona Maria Amália, iniciou-se o processo de translado do pobre português para São Paulo, de onde tinha vindo e para onde retornaria para o seu descanso eterno. Dona Maria Amália veio na frente, encarregada de todos os ritos do velório e do enterro do desafortunado marido. A pequena funerária da cidade mineira ficou encarregada de preparar o defunto do português para enviá-lo a São Paulo. O próprio terno e a camisa de linho que ele usaria na festa seriam suas últimas vestimentas.

O tempo era inimigo de todo o processo: ele seria curtíssimo até o início do velório, depois de todas as burocracias legais. Por isso, seu Benedito, encarregado da funerária, teve que correr para aprontar o defunto e despachá-lo para São Paulo, coisa que ele mesmo faria dirigindo o velho carro fúnebre, uma Caravan preta, levando o português em sua última viagem.

De Caravan, o português fez sua última viagem

Foto: Aline Galcino/Hojemais Araçatuba

Seu Dito da funerária, como era chamado por todos na pequena cidade, conseguiu aprontar tudo até as 6 horas da manhã do dia seguinte da morte do português. Colocaram o caixão na Caravan e seu Dito partiu imediatamente, pois sabia que o velório estava marcado para começar as 9 horas da manhã na casa de dona Maria Amália, no bairro do Jaçanã, na zona norte da cidade de São Paulo.

Mas, seu Dito não contava com um imprevisto: a Caravan já tinha mais de 10 anos de uso e era movida a álcool, em uma época em que a tecnologia para esse combustível estava só começando. Na Rodovia Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo, já com o sol forte pois era verão, a confiável Caravan resolveu parar o motor.

Seu Dito entrou em desespero: o defunto já era do dia anterior, fechado dentro de um carro preto parado no acostamento, debaixo do sol aquecendo ainda mais o ambiente… Isso não era bom sinal! Depois de ser auxiliado pela polícia rodoviária, que providenciou socorro mecânico com urgência, a questão foi facilmente resolvida: o filtro de combustível, que não era trocado há muito tempo, danificou de uma vez e entupiu a válvula de agulha do carburador, fazendo o motor parar por falta de alimentação.

Resolvida a questão, o fato é que já eram quase 9 horas da manhã, e seu Dito e o defunto do português ainda estavam na Rodovia Fernão Dias, que, a essa altura do campeonato, já estava com o trânsito pesado e sob um calorão daqueles típicos de verão.

Hora da despedida

Depois de apanhar para encontrar o bairro Jaçanã e a casa da dona Maria Amália, seu Dito da funerária entregou o defunto para a família com 3 horas de atraso. E olha que o enterro estava marcado para as 15 horas no cemitério da Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo.

Claro que depois desse atraso, resolveram esticar o velório do seu Joaquim Manuel um pouco mais, para que tantas pessoas que o queriam bem pudessem se despedir. Remarcaram para as 17 horas. Mas, lembre-se que o português havia morrido no dia anterior, já tinha passado por poucas e boas e, principalmente, já havia sido muito castigado pelo calor. Esse fato preocupava tanto que seu Dito da funerária havia deixado um pequeno frasco com Formol: no caso de o defunto cheirar mal, era para jogar um pouco daquele líquido nas partes descobertas.

Depois de umas três horas de velório, o cheiro começou a incomodar aquela “gentarada” que rendia as últimas homenagens para seu Joaquim Manuel e, nesse ponto, veio um palpiteiro de plantão sugerindo que já havia passado da hora de utilizar o milagroso Formol. Foi exatamente isso que fizeram, mas sem a anuência de dona Maria Amália. Um descuidado participante do velório pegou o tal frasco e começou a jogar o líquido sobre o defunto do português, como se estivesse benzendo o coitado.

Para quem não sabe, o Formol é altamente inflamável, e perto do caixão existiam velas acessas. Não deu outra: o defunto do seu Joaquim Manuel pegou fogo! Naquele instante, todos os participantes do velório partiram para cima do caixão dando tapas no defunto para tentar apagar o incêndio. Seu Joaquim Manuel nunca apanhou tanto, nem quando era vivo.

Fim forçado do velório

Com aquele tumulto, o caixão foi ao chão e o defunto caiu dele, todo chamuscado. O bigodão e o cabelão que o português tanto se orgulhava ficaram todos sapecados. Dona Maria Amália entrou em desespero, não porque o defunto havia sido queimado, mas porque o incêndio danificara o terno e a camisa de linho que ele tanto gostava.

Claro que o episódio acabou com o velório: colocaram o defunto de volta no caixão, mesmo todo chamuscado, as flores foram recolhidas do chão do jeito que deu, arrumaram malê-e-má tudo dentro do esquife, fecharam e, do jeito que estava, ficou. O carro do serviço funerário levou o defunto chamuscado do português para o cemitério da Cachoeirinha e, lá, não teve nem mesmo aquele último chorinho: chegou e já foi para a tumba. Dona Maria Amália estava possessa com o ocorrido e queria mesmo é que aquele pesadelo acabasse logo.

E pensar que toda essa confusão poderia ter sido evitada se o seu Dito da funerária tivesse trocado o filtro de combustível de sua velha Caravan. O velório teria começado no horário certo e tudo ter acontecido como era previsto. Depois dessa, acho que até o português sentiu o alívio quando tudo acabou, ora pois!

Compartilhar:
Jornalista na área automobilística há 50 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 69 anos, é casado e tem três filhos homens, de 22, 33 e 36 anos.